terça-feira, janeiro 24, 2006

Muito Demais...

Desconheço pormenores. Não os sei. E provavelmente começo a desconfiar que não sejam relevantes. Porque não? Porque não. Porque a Vida é simples, sem segredos, ou melhor, com segredos mas não tão vastos ou tão misteriosos conforme tão empenhados nos andam a impingir. Simples. A Vida. E bonita por ser como é...

Aquela mulher suicidou-se. Sem motivo. Ou com. Não sei bem se os tinha, mas aparentemente nada me faz acreditar que sim. Tinha uma Vida, só. Tinha uma filha, bonita, empenhada, saudável, astuta, bem vivida e mais umas coisitas pouco relevantes para o contexto. Um marido normal. Apenas e só normal. Idem, idem, aspas, aspas. Tinha um lar, um belo apartamento, um emprego menos mau, pagava a segurança social, descontava para o IRS, ia à praça aos sábados de manhã e à mercearia da esquina logo após ou ao Hiper da parte da tarde. Ia ao cinema aos domingos à tarde, ao teatro de quando em vez. Aquela mulher fazia ponto cruz, falava horas ao telefone, ia de férias em Agosto, punha os fatos do esposo na lavandaria, engomava a roupa ao final do dia, limpava o pó, via o telejornal, uma ou outra novela, juntava os familiares no Natal, bebia champagne no ano novo, oferecia ovos da páscoa aos sobrinhos na páscoa, os mesmos sobrinhos que adorava mascarar no Carnaval. Aquela mulher falava muito e corria muito, ou pouco noutras circunstâncias, sorria qb, ria menos, cozinhava bem, comia pouco, fumava muito mas acima de tudo, pensava muito. Mmmmuuuiiiito. Muito mesmo. Pensava demais. Muito demais...

Estava doente, aquela mulher. Estava. Mas porquê? Conseguem-me explicar porquê? Eu não consigo. Ou melhor, talvez consiga, mas dúvido que me consiga fazer entender. Estava doente. Ponto final. Estava sem brilho, porque nada brilhava à sua volta. Já não o tinha, ou se calhar nunca o tinha tido. Faltava-lhe um algo algum, qualquer coisa que alguém a tinha feito acreditar precisar, mas que eu dúvido que realmente precisasse. E tanta coisa quis entender que acabou por não entender coisa nenhuma. Faltava-lhe bom senso ou um senso bom. E acima de tudo faltava-lhe apreciar a bela Vida que tinha. Curioso. Dá Deus nozes a quem não tem dentes. Sem querer aquela mulher construiu um império, mas jamais o sentiu. Jamais o reconheceu. Jamais o teve. E por fim, quando deixou de ver luz, quando desistiu de a tentar ver, quando percebeu que jamais teria asas...abriu a janela e apenas...não voou...

1 comentário:

Ppalma disse...

"Tinha um lar, um belo apartamento, um emprego menos mau, pagava a segurança social, descontava para o IRS, ia à praça aos sábados de manhã e à mercearia da esquina logo após ou ao Hiper da parte da tarde. Ia ao cinema aos domingos à tarde, ao teatro de quando em vez. Aquela mulher fazia ponto cruz, falava horas ao telefone, ia de férias em Agosto, punha os fatos do esposo na lavandaria, engomava a roupa ao final do dia, limpava o pó, via o telejornal, uma ou outra novela, juntava os familiares no Natal, bebia champagne no ano novo, oferecia ovos da páscoa aos sobrinhos na páscoa, os mesmos sobrinhos que adorava mascarar no Carnaval. Aquela mulher falava muito e corria muito, ou pouco noutras circunstâncias, sorria qb, ria menos, cozinhava bem, comia pouco, fumava muito mas acima de tudo, pensava muito.Mmmmuuuiiiito. Muito mesmo. Pensava demais. Muito demais..."

E de tanto pensar viu que a vida dela apenas se resumia aos mesmos actos, pois deixou que a sua personagem fosse cada vez mais desinteressante sem nada de relevante para ver e para se ver!
Pensou e pensou... sou mais um ser humano fútil que acorda de manhã a saber que hoje é mais um dia igual a tantos outros, no qual não vou criar nada de geito e que não vou criar nada de geito para mim e para esta estupida sociedade que me consome!
Dirigiu-se para a janela e voou, hoje todos olham para o que se passou com olhares de castração que se julgam iluminados.
Mas agora pergunto : quem se encontra na escuridão e quem viu a luz ou tornou-se por instantes um pouco mais iluminado?